domingo, 12 de setembro de 2010

.protagonista ou tudo aquilo que eu não posso te dizer.



Depois de um dia passado em jejum e em silêncio, evitando ao máximo quaisquer formas de comunicação, tais como toque ou contato visual, a performer, usando sapatos vermelhos apertados e um sobretudo preto sobre o corpo seminu, coloca no centro da sala um microfone em um pedestal, liga o aparelho, em seguida tira um batom vermelho, traça uma linha reta que vai da boca até o peito, e em seguida traça, no chão, uma linha que a separa do público (nesse momento, alguém deverá auxiliá-la, informando o público que este deve se manter apenas de um dos lados da linha, oposto àquele em que a performer está). A partir desse momento, a performer pega o microfone e, olhando diretamente para os espectadores, emite uma série de sons, obrigatoriamente inarticulados, não-verbais, com a voz, até se exaurir e se calar. Em seguida, ela entrega o microfone a um dos organizadores do festival, tira os sapatos, o casaco e se senta numa cadeira, de costas para o público. O organizador então informa o público que a partir de então o microfone estará disponível para que os espectadores digam o que quiserem à performer, usando, obrigatoriamente, a linguagem verbal. A performer ouve, permanece algum tempo em silêncio, e sai.

performance apresentada no VII festival de apartamento, no instituto cultural janela aberta, em são carlos. agosto de 2010. com a participação especialíssima de carolina nóbrega.

interrupções. intervalos. passos. em. falso.





instalação performática criada durante a oficina estudos corpo-geográficos, de nathalie fari. apresentada no centro cultural b_arco, primeira semana de agosto de 2010.





.a propósito de jonas. experimentos performáticos.





"homens e animais, gado graúdo e miúdo, não provarão nada! Eles não pastarão e não beberão água. cobrir-se-ão de panos de saco, invocarão a deus com vigor e se converterá cada qual de seu caminho perverso de violência."

experimentos realizados durante o projeto expedição francisco, em abril de 2008, em parceria com o artista plástico deyson gilbert.

cães. pequeno experimento em video.

pequeno experimento realizado em 2009, durante o levantamento de material para o espetáculo kastelo, do teatro da vertigem. temores. o video me protege e me desafia. a respiração acelerada dos cães, um pulso afobado, o meu. o pavor de ter o rosto dilacerado.

.koltés.




sobre os homens e os animais, um dos trabalhos de que mais me orgulho, apresentado, infelizmente, uma única vez, em junho de 2006. inspirado no texto na solidão dos campos de algodão, de bernard marie koltés. direção de deyson gilbert. elenco: luisa nobrega e thiago de castro leite. trabalho realizado durante a pesquisa de conclusão de curso de renata guida no departamento de artes cênicas da usp. investigando limites e convergências entre teatro e performance.

no kastelo. algumas cenas.







espetáculo kastelo, em cartaz de 31 de janeiro até o final de março de 2010 no sesc paulista.
com o teatro da vertigem. direção de eliana monteiro, texto de evaldo mocarzel, iluminação de guilherme bonfanti, direção de arte de marcos pedroso, trilha sonora de amilcar farina, figurinos de simone mina, assistência de direção de maria emilia faganello, apoio artístico de antonio araújo. elenco: bruna freitag, denise janoski, luciana schwinden, luísa nóbrega, marçal costa, roberto audio e pardal.

.estudos para amália. investigações a respeito de recusa e alheamento.




"Seu olhar era frio, claro, imóvel como sempre, não estava exatamente dirigido sobre aquilo que observava, mas passava um pouco ao largo do objeto, de uma maneira quase imperceptível, mas indubitável - o que era incômodo; não parecia ser fraqueza, embaraço ou desonestidade o que o causava, mas uma exigência contínua, superior a qualquer outro sentimento, de ficar sozinha, o que talvez viesse à consciência dela só dessa maneira. K julgou se lembrar de que esse olhar já o havia ocupado na primeira noite; provavelmente a má impressão que essa família logo lhe causou remontava àquele olhar, que em si mesmo não era feio, mas altivo em sua impenetrabilidade."

documentação de uma série de workshops performáticos inspirados na figura de Amália, do romance Castelo, de Franz Kafka, realizados no decorrer de 2009, durante o processo de montagem do espetáculo Kastelo, do Teatro da Vertigem.

video do momento final da performance jonas 1

horizontais




também durante o projeto expedição francisco, realizei, em parceria com o artista plástico deyson gilbert, a performance horizontais, que toma como referência uma proposta do artista franz erhard walter, publicada em forma de desenho e fotografia no livro diagramme zum 1, werksatz. Nesse trabalho, cada um dos dois performers coloca a cabeça numa das extremidades de um tecido em forma de tubo, costurado em cada uma das pontas como um capuz. Em seguida, se afastam o máximo possível e estiram o corpo para trás, estirando o tecido por meio do equilíbrio do peso dos dois corpos. esse trabalho foi repetido em diversos pontos do trajeto, evocando o debate acerca da transposição do rio são francisco.

jonas 1




E eu dizia: Fui expulso

de diante dos teus olhos.

Como poderei contemplar novamente

o teu santo Templo?

As águas me envolveram até o pescoço,

o abismo cercou-me,

e a água enrolou-se em volta da minha cabeça.

Jonas 2:5.







A performance Jonas 1 foi realizada por Luísa Nóbrega no contexto do projeto Expedição Francisco, com o apoio do Conexão Artes Visuais - Funarte. Do dia 12 até o dia 23 de abril de 2008, os cinco integrantes do projeto percorreram o rio São Francisco de Januária (MG) até a foz do rio, em Piaçabuçu (AL), realizando propostas artísticas que propunham, cada uma, uma forma de relação específica com o rio. Deficiente auditiva, a performer se propôs, através do projeto Jonas 1, a realizar a viagem inteiramente de olhos vendados, colocando a venda no momento de entrar no barco e retirou-a somente no instante em que o rio encontra o mar. Foram, ao todo, onze dias de olhos vendados, nos quais foi o tempo todo orientada e auxiliada pelos demais membros do grupo e, mais diretamente, pelo artista plástico Deyson Gilbert.

Está escuro está escuro e há o calor, há essa claridade que para mim é apenas sol intenso cortante sobre a pele, apenas luminosidade uniformemente amarela que se torna vermelha quando por alguns instantes retiro o pedaço de pano molhado de suor que recobre meus olhos fechados – há mãos que me levam para um lugar ou para outro, enquanto eu tontamente esbarro em pontas e superfícies que parecem ser cantos de mesa, cantos de cadeiras, cantos. sempre que alguém me leva pela mão eu sinto uma mistura de conforto e incômoda gratidão, entregue que estou à minha debilidade e impotência. aos poucos aprendo a discernir um degrau de outro degrau segundos antes de que alguém me advirta prudentemente – sim, subir escadas é mais fácil do que andar em linha reta. não há imagens, há luz apenas. na pequena cidade em que desembarcamos encontramos um homem que parou para falar conosco, um homem que disse que queria ter dinheiro para ir a são paulo operar os olhos – sim, ele não enxergava, ele também – “eu não gosto de claridade”, disse. eu também não, eu quis dizer, eu também não. alivio à noite. adormeço com facilidade, eu que em são paulo padeço de insônia. repetidas vezes adormeço e desperto com o incômodo de acordar e não abrir os olhos, acordar e permanecer num limbo qualquer, sem o alívio tranqüilizador de reconhecer algum espaço familiar que me rodeie. meus movimentos completamente desorientados fazem com que eu me resigne a permanecer imóvel; mesmo de olhos abertos não tenho nenhum senso de direção. o tempo todo ouço sons crus que possuem a brutalidade de ser desprovidos de significado, ouço conversas em que reconheço as vozes mas não compreendo o que dizem - parece-me que nada mais são do que cantilenas indistintas, murmúrios. não sei se vou ser capaz de ler o que escrevo agora, escrever nesse momento não passa de uma estratégia para fazer com que passe mais depressa o tempo ralentado pela ausência do fluxo constante e sempre renovado das imagens, escrevo numa tentativa desajeitada e precária de dissipar meu alheamento – não propriamente de dissipá-lo, mas de fazer algo a partir dele, inútil que seja. sem conseguir escrever em linha reta eu escrevo tontamente - nem se pode dizer propriamente que escreva, que converta em palavras a experiência vivida: o que eu vivo é estúpido e inocente demais para ser chamado propriamente de experiência, embora por vezes eu reconheça algo em mim que talvez possa ter algo a ver com esse rio, esse vento, esse sol agressivo e direto que eu sinto a tentação de associar, numa comparação esdrúxula, a um flagelo. percorre o meu corpo o veneno das inúmeras picadas de mosquito que tenho sob a pele, minhas pernas estão repletas de incômodas saliências. alguém assobia, o motor faz um barulho intenso e débil como o ruído do estômago de um doente. de quando em quando o ruído aumenta e logo pára, denunciando sua monstruosa impotência e seu esforço descabido. alguém fala de uma hélice que ficou atolada na lama. estamos à deriva, fico sabendo com atraso. nenhuma eficiência é permitida, nenhuma velocidade, agora. alguém assobia, com uma ansiedade não inteiramente desprovida de resignação. faz calor aqui. eu, mais do que qualquer coisa, queria uma sombra.



.fora.

sim, sim, o que senão olhar para fora de mim pode me fazer escapar da imagem rígida que regularmente componho para mim mesma, o que senão esse pedaço inesperado de laranja-ferrugem que se dirige ao teto como um funil pode romper a regularidade dessa sala, dessa aula, dessa hora; o que senão um ventilador silenciado e uma cortina branca opaca repleta de manchas amareladas inflando com o vento, o que senão esses outros mais velhos e mais novos do que eu, desconhecidos e quase indiferentes, pode fazer com que algo em mim se transforme e se mova - sim, porque tendo a manter minha nuca rigidamente recolhida e meu olhar baixo, fechado e estático, sim, porque tantas vezes ignoro o peso do meu corpo e me recuso a aderir ao chão - enfim, o que há em mim por descobrir além dos gestos infinitamente repetidos de auto-complacência,eu dou graças a deus pela banalidade e pela aridez e pela estranheza e pela opacidade das coisas, que rompem e desmontam minhas covardes transparências - penso em Diane Arbus que insiste que aquilo que ela fotografa importa mais, muito mais do que as suas incômodas fotografias, penso em Goethe que diz que sim, a tarefa mais elevada a que um artista pode aspirar é a imitação da vida, imitação da natureza - o problema, alerta ele, o problema é que nada sabemos da natureza, nada enxergamos dela, não a vemos, não sabemos ver - ela nada tem a ver com aquilo que se oferece placidamente aos nossos sentidos, nada tem a ver com a regularidade das coisas que a arrogância do nosso olhar organiza num todo estático - há que se aprender, há sim que se aprender a ver - e sim, sim, sim, quero me dirigir àquilo que me escapa, quero estar aonde nunca estive, quero amaciar e endurecer

uma porta bate, as pessoas conversam mas só as vejo através de seu reflexo pouco nítido e invertido no vidro não muito limpo da janela; há grades de metal torcido que fazem com que minha imagem tanto quanto as deles apareçam circunscritas a um espaço quadriculado, as paredes e a tela de cortiça branca rabiscada compõem um fundo branco e um retângulo branco no vidro - sim, o vidro, sempre - riscado apenas de leve pela imagem entrecruzada de linhas curvas grossas e finas que apenas minha razão muito bem educada e sensata me faz saber que são galhos, galhos tortos de árvore e folhas incapazes de me arranhar e ferir, inofensivos por detrás da janela; o teto e as linhas de quadrados de cimento tornados diagonais quando transpostos pelo vidro fornecem à imagem da tela uma profundidade e perspectiva que eu, com meus contornos indistintos e minhas proporções ínfimas não seria capaz de dar - sim, nenhum de nós, nenhum de nós todos seria capaz - isso mesmo - de dar, eu não sou - ao menos ainda - capaz de - dar