segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

.degredo ou porque nunca aprendi a falar.



Performance realizada durante o encontro V.E.R., em Terra Una - MG, do dia 23 ao dia 29 de janeiro de 2011. Possuidora de uma deficiência auditiva de nascença, a performer se submeteu a seis dias de surdez completa voluntária, com o auxílio de tampões de ouvido. Durante esse período, manteve-se em silêncio absoluto, evitando sempre que possível quaisquer formas de comunicação verbal, tais como ler ou escrever. Durante todo esse período, ela mantinha-se próxima ao grupo e participava de todas as atividades do encontro, até mesmo das palestras e vivências No sétimo dia, após retirar os tampões, dirigiu-se a um local ao ar livre onde se manteve de pé, imóvel, durante o dia todo, falando ininterruptamente durante o máximo de tempo possível, enunciando fluxos de pensamentos desordenados, não previstos previamente. Aqueles que desejassem poderiam visitar o local e conversar com a artista: enquanto os outros falavam, era-lhe permitido parar de falar, porém o fluxo discursivo no local deveria manter-se ininterrupto, sendo retomado assim que possível. Nesse dia, em momento algum a performer poderia prescindir do uso da linguagem verbal. Durante a realização do trabalho, a performer sentiu necessidade de acrescentar um novo momento ao trabalho, entitulado confissão: no sexto dia, na noite anterior ao dia em que voltaria a falar, a performer sentou-se numa cadeira, apos o jantar do grupo, no espaço de convivência em que todos conversavam e tomavam café, e, ainda de ouvidos tampados, retomou o uso da voz pela primeira vez, sem ainda fazer uso da palavra, explorando a debilidade da voz apos um período longo de silêncio, a sensação de fazer explorações vocais sem a referencia auditiva, explorando tão somente a ressonância interna da voz no corpo.


fotos: Julio Callado



.soberba e penitência ou os sapatos vermelhos.


com os olhos cobertos por tapa-olhos e sapatos vermelhos de salto apertados, a performer dança até chegar a seu ponto máximo de exaustão física. a cada vez que cai no chão ou por qualquer outro motivo faz uma pausa brusca, ela tem no máximo trinta segundos, contados nos dedos, à vista do público, para se levantar e recomeçar a dançar.

Apresentada no IX Festival de Apartamento, em Barão Geraldo, Campinas – SP, no dia 11 de dezembro de 2010.







.a sobrevida de uma revolução malograda ou como deter o esquecimento.

Das 20hs da noite do dia 25 até a meia-noite do dia 27 de novembro, Luisa Nobrega e Chico Santo permaneceram confinados juntos em um quarto de hotel na rua Treze de Maio, no Bexiga, em São Paulo, em silêncio absoluto, sem ler ou escrever, assistir televisão ou destraír-se. Não lhes era permitido estabelecer nenhum tipo de contato, não apenas através da linguagem verbal mas sequer do olhar ou do toque. De meia em meia hora, ao soar de um alarme, um deveria tirar uma foto do outro com uma câmera descartável, alternadamente (ex: às 20hs Luisa fotografa Chico, às 20hs Chico fotografa Luisa, e assim por diante). Das 20hs às 24hs dos dias 26 e 27, o publico poderia visitar o quarto e interagir com os performers. Essa ação integrava a intervenção cênica Mauismo, do Teatro da Vertigem, dirigida por Eliana Monteiro e Guilherme Bonfanti.

anotações. alguns dias depois.



de repente, o silêncio. nada me resta, alem de incômodas melodias repetitivas e um quarto povoado de espelhos. primeiros momentos de inquietude: passaram-se alguns minutos apenas, nem mesmo meia-hora – como poderei suportar as longas horas, os dias, que restam? deverei bater meus punhos insistentemente contra as paredes, até que eles finalmente se rompam? me acalmo deitando no chão, as costas aplainadas pelo frio refrescante dos azulejos, descanso olhando as luzes avermelhadas, insistentemente repetidas, na cabeceira da cama, a televisão em estática que de quando em quando acende e apaga, que alternadamente ilumina o quarto, alternadamente o escurece – não há lâmpadas no teto, não há luz – tanto a claridade quanto a escuridão repletas de nuances e meios-termos, guiadas por imagens aleatórias de programas, de comerciais que não reconhecemos – por vezes surgem figuras humanas, por vezes cenários indistintos, porém sempre tão mudos e silenciosos quanto nós mesmos, não fosse um chiado constante, discreto, insistente -


por que a solidão a dois é tão menos tolerável do que a solidão pura e simples? eu me habituaria facilmente à solidão absoluta, bem depressa encontraria apaziguamento, mas a solidão ao lado do outro é quase insuportável. na impossibilidade de falar, de olhar, de tocar, meu olhar foge de você procurando fissuras na parede, dobras emaranhadas nos lençóis, luzes que se apagam e se acendem e, por fim, quando nada mais é possível, trapaceio. observo um detalhe do teu reflexo no espelho, um improvável ângulo dos teus calcanhares, uma fração das tuas costas. mas nunca, de maneira nenhuma, teus olhos – entregue que estou à minha obediência.


eu conheço, eu conheci tudo isso. memórias inevitáveis de rejeição. desconforto diante do outro, que a inação leva ao paroxismo. será que tudo isso é apenas um jogo ou existe mesmo um estremecimento trágico, irremediável entre nós? impotência, pura e simples. não poder relacionar-se com aquele que nos está mais próximo significa estar acorrentada a cada um de seus mais ínfimos movimentos. minha respiração é esfacelada por cada um de seus gestos bruscos. memórias de rejeição, nunca bem vindas, retornam, insistentes. meu corpo colocado de lado como um dejeto qualquer.


memórias inevitáveis de casamentos falidos. terá todo casamento um parentesco inevitável com esse claustrofóbico confinamento, esse desencontro permanente de olhares, essa falta de alivio e alento, essa inação e monotonia?


irremediavelmente perto e infinitamente distantes.


de tempos em tempos a comida chega. As vinte e quatro obedientes horas em que nossos dias habitualmente se dividem, cuja passagem não mais reconhecemos, a não ser de maneira precária e imprecisa, pelas mudanças nada óbvias de luz que vemos através das persianas, dão lugar a três bruscos períodos: café da manhã, almoço, janta. os três recipientes vedados de isopor que nos entregam pontualmente são a única relação constante e consistente que mantemos com o mundo externo, afora os crescendos e diminuendos das conversas e gritos que ouvimos através das portas e janelas.


com alivio ouvimos as três batidas na porta do quarto: não tanto o alivio da saciedade que aplaca a fome – o malcheiro e a inação nos negam qualquer apetite – mas o alivio da passagem do tempo: a chegada do café da manhã significa que dali a um tempo virá o almoço; o almoço anuncia a chegada da tarde e nos torna mais próximos de um futuro iminente anoitecer, o jantar anuncia a chegada de nossas visitas e testemunhas e decreta que enfim, em breve poderemos contar com um dia a menos de claustrofobia.


comemos não tanto por fome mas porque comer é uma das poucas ações concretas e cotidianas que nos são concedidas, comer nos torna menos moribundos, nos distrai dos odores do quarto, nos convida a levantar da cama, comer faz o tempo passar quase desapercebido, comer nos distrai, por fim, um do outro. comemos em turnos, em geral um de cada vez, eu primeiro, ele depois. comemos silenciosos, sentados à beira da cama, trabalhando para que o tempo passe.